3 de novembro de 2015

A necessidade da Palavra Escrita


Após Deus ter alargado Sua Igreja a fim de incluir Abraão e sua semente, na qual ela estava em um primeiro momento limitada até o tempo de Cristo, agradou-Lhe dar à Sua Igreja uma regra inamovível e sempiterna para a vida e doutrina, submetendo Sua vontade em forma escrita para ela. Isso não significa que, da perspectiva de Deus, tal ato era necessário, pois, mediante Sua onipotência, Ele poderia ter revelado o caminho da salvação para Sua Igreja sem a Palavra escrita e preservado a verdade no meio do Seu povo. Contudo, da perspectiva do homem, havia sim essa necessidade, para que a verdade fosse efetivamente preservada da impiedade do homem, cujo coração está inclinado para a superstição e para religião carnal, carregando dentro de si a semente de numerosas heresias.

A doação da Palavra Escrita foi também necessária para proteger a Igreja contra os ardis do diabo, já que seu objetivo é sempre utilizar a fumaça negra da heresia para manchar a verdade, sabedor de que, sem o conhecimento da verdade, não pode haver verdadeira piedade. Por fim, essa doação da parte de Deus também foi necessária para que o Evangelho pudesse vir de uma maneira mais eficiente para cada membro individual da Igreja; para que pudesse ser transmitida pelo pai aos seus filhos; e para que pudesse ser distribuída entre as nações ainda mais rapidamente. Foi necessário a Judas escrever Judas 3: “Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3). A Palavra escrita é uma luz para nossos caminhos (Sl 119:105). Se eles não falam de acordo com a lei e o testemunho, “é porque não há luz neles” (Is 8:20). Portanto, a existência da Palavra escrita é uma necessidade.

O Catolicismo Romano, a fim de salvaguardar suas tradições e lendas supersticiosas de modo mais eficiente, contradiz a necessidade da Escritura, apresentando os seguintes argumentos:

Argumento 1: Houve determinadas igrejas que existiram sem a Palavra escrita, sendo este o caso quando os Apóstolos inicialmente proclamaram o Evangelho entre os pagãos e estabeleceram igrejas entre eles.

Resposta: Esse foi o caso apenas por um curto período de tempo. Mesmo que não estivessem de posse imediata da Palavra escrita, eles tinham a palavra dos Apóstolos que eram infalivelmente movidos pelo Espírito de Deus. Contudo, num sentido geral, a Igreja possuía a Palavra de Deus em sua possessão, já que uma congregação particular a compartilhava com outra congregação (Cl 4:16). Os judeus que se encontravam dispersos entre os pagãos possuíam a Palavra escrita e, como sabeis, em vários lugares foram geralmente os primeiros a crer.

Argumento 2: Para o iletrado, é como se a Palavra escrita não existisse na forma escrita.

Resposta: Eles (os iletrados) ouvem a Palavra lida, bem como a citação de passagens das Escrituras por parte do ministro, e, assim, a fé deles está fundamentada sobre a Palavra escrita, da mesma forma que aqueles que são capazes de ler.

Argumento 3: O povo do Senhor é ensinado pelo próprio Senhor e, portanto, não necessitam de outra instrução (Is 54:13; Jr 31:34; 1 Jo 2:27).

Resposta: (1) Pode-se igualmente argumentar que a Igreja certamente não tem necessidade de suas tradições, e, desse modo, elas devem ser necessariamente descartadas. (2) Quando Deus instrui Seu povo mediante Sua Palavra, eles estão sendo instruídos por Ele. (3) Uma coisa não exclui a outra, quando Deus concede Seu Santo Espírito através de Sua Palavra (At 10:44). A Bíblia compreende essa Palavra escrita e consiste de sessenta e seis livros, dos quais 39 foram escritos anteriormente ao nascimento de Cristo e são, pois, referidos como o Antigo Testamento (2Co 3:14). Começa pelo primeiro livro de Moisés, geralmente chamado de Gênesis, e conclui com Malaquias. Esses livros são divididos em várias maneiras, tais como: “Moisés e os Profetas” (Lc 24:44); “Moisés, os Profetas e os Salmos” (Lc 24:44). Geralmente são divididos do seguinte modo:

1) os livros da Lei, a saber, os cinco livros de Moisés;
2) os livros históricos, de Josué a Ester, incluindo este;
3) os livros poéticos de Jó a Cantares de Salomão;
4) os profetas, consistindo dos quatro profetas maiores (de Isaías a Daniel), e os doze profetas menores, de Oséias a Malaquias.

O Novo Testamento abrange aquelas Sagradas Escrituras que foram escritas depois do tempo de Cristo, começando com Mateus e concluindo com o Apocalipse. Elas são divididas desta forma:

1) Os livros históricos, a saber, os quatro Evangelhos e os Atos dos Apóstolos;
2) Os livros doutrinários, começando pela Epístola aos Romanos até à Epístola de Judas.
3) Um livro profético, o Apocalipse de João.

Os Apócrifos, isto é, os livros “ocultados” – não sendo lidos nas igrejas nem reconhecidos como divinamente inspirados – não pertencem à Bíblia. São escritos de origem humana dos quais há muitos hoje em dia. Foram compostos antes do tempo de Cristo, não pela mão de um profeta nem mesmo em língua hebraica, mas em grego. Não foram dados à Igreja, nem os judeus, a quem os oráculos de Deus foram confiados (Rm 3:2), os aceitam. Tais livros contêm vários erros e afirmações heréticas que contradizem os livros canônicos. Para informações mais abrangentes, é possível consultar o excelente prefácio aos livros apócrifos dos tradutores holandeses da Statenbijbel.1 Esse prefácio confunde satisfatoriamente o Catolicismo Romano, que nos últimos tempos deseja considerar tais livros como canônicos. Uma vez que as Sagradas Escrituras são a única regra para doutrina e vida, o diabo tem como intenção ruir ou obscurecer esse fundamento com o máximo de sua habilidade mediante os instrumentos à sua disposição. Consequentemente, devemos nos comprometer a defender as Sagradas Escrituras, e para tal propósito é necessário considerar:

1) Sua origem, tanto no tocante às causas primárias quanto às secundárias;
2) Seus conteúdos;
3) Suas formas;
4) Seus propósitos;
5) Os temas aos quais se dedicam;
6) E sua qualidade benéfica.

Ao considerar cada um desses elementos, devemos lidar com questões controversas que podem surgir contra as Escrituras.



NOTA:

1. Statenbijbel (“Bíblia do Estado”, em holândes) é a primeira tradução da Bíblia para a língua holandesa, partindo do grego, aramaico e hebraico originais. Essa tradução, publicada em 1637, foi solicitada pelo governo da República Holandesa, então protestante.



Autor: Wilhelmus à Brakel. Traduzido por Bartel Elshout. Editado por Joel Beek
Tradução para o português: Fabrício Tavares
Divulgação: Reformados 21