3 de junho de 2016

A Humanidade do Redentor (2/2)


Texto base: 1 Timóteo 2.5

3. As fraquezas humanas de Jesus

Conforme vimos, as limitações são características essenciais da natureza humana independente do pecado. Adão, antes da queda, em seu estado de santidade (Ec 7.29), possuía limitações como fome, sede e cansaço. As fraquezas, por sua vez, são características essenciais da natureza humana “corrompida pelo pecado”.

Sabemos que, após queda de Adão, todos pecaram (Rm 3.23). Entretanto, é bem verdade que você e eu não estávamos lá naquele fatídico dia! Não éramos nascidos! Você e eu não pecamos contra Deus. Ninguém estava lá no Éden, a não ser Adão e Eva, que pecaram. Por outro lado, estávamos lá, sim, porém unidos em Adão, que era o representante legal da humanidade perante Deus. Todos pecaram porque todos estavam ligados em Adão, o “tronco da humanidade”. Éramos os galhos daquela árvore que, dali em diante, passou a não dar mais frutos bons, mas frutos contaminados pelo pecado.

Somos pecadores não porque em um determinado tempo de nossa vida pecamos, mas pecamos porque já somos concebidos e nascemos pecadores (Sl 51.5). Portanto, como consequência do pecado de Adão, herdamos fraquezas que, agora, fazem parte de todos nós, por sermos pecadores em essência. 

Em contrapartida, na encarnação, Jesus, como era verdadeiramente santo em sua humanidade, não herdou as fraquezas que são características próprias de pecadores, antes, ele assumiu as fraquezas dos pecadores eleitos em virtude de ser o representante deles no estado de humilhação, cujo intuito era a redenção. As fraquezas que Jesus experimentou pertencem exclusivamente a pessoas que estão sob a maldição divina como resultado da queda de Adão. Sendo assim, vejamos, pois, as fraquezas de Jesus segundo a sua humanidade:

3.1 JESUS SENTIA DORES

Isaías 53.3 ­– Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso.

Jesus é Deus e também é homem, e, portanto, sentiu dores. O primeiro termo – homem de dores  denota alguém que suporta dores; alguém que está acostumado a sofrer duramente. O segundo termo – padecer   descreve “alguém que experimentou enfermidades em todas as suas misérias”.1 É importante ressaltar, para uma logre compreensão dos termos, que a palavra enfermidades, descrita no versículo 4 de Isaías 53, abrange não somente as doenças da alma, que são os pecados, conforme todo o capítulo enfatiza (vs.10-12), mas também as doenças físicas.  

Acerca disso, Heber Carlos de Campos escreve:

Quando Cristo tomou sobre si as nossas enfermidades, ele garantiu que nunca mais os remidos haverão de experimentar enfermidades quando a redenção se completar. Essas palavras não podem ser entendidas como significando que os cristãos nunca mais ficarão doentes neste mundo. É verdade, contudo, que quando Jesus nos livra de uma enfermidade, ainda que temporariamente, neste mundo, em algum sentido essa verdade é cumprida (Mt 8.17 em que o versículo de Isaías é citado). Mas isso é apenas um efeito parcial e colateral da obra redentora de Cristo.

Biblicamente, em última instância, não podemos separar o pecado da enfermidade. Eles são companheiros inseparáveis. As doenças que temos são resultado da maldição de Deus sobre este mundo, que ainda não foi tirada. Todavia, haverá um tempo em que a maldição será tirada por causa da obra vicária de Jesus Cristo, e nunca mais teremos qualquer enfermidade no corpo ou mesmo na alma.2

Ninguém experimentou tanta dor como Jesus! “Ele era a própria dor personalizada, em virtude de sua posição de representante de pecadores, que sofre as suas dores”.3 Apesar de existir na história do mundo inúmeros casos de pessoas que sofreram e ainda sofrem muito mais do que Jesus sofreu em toda a sua vida terrena, todavia, estas pessoas vivem em um mundo de pecado e sob a maldição divina por causa do pecado. Dessa forma, toda a manifestação de sofrimento pelas quais estas pessoas estão sujeitas advém do fato de elas próprias serem pecadoras e merecedoras disso.

Não obstante, Jesus não tinha pecado como todos nós temos. Ele era absolutamente santo. Logo, o sofrimento pelo qual Jesus passou foi o maior de todos. Ele estava substituindo os pecadores eleitos, a fim de livrá-los da ira de Deus e do estado de infortúnio espiritual e moral em que se encontravam – distantes de Deus, escravos do pecado e do diabo (veja Rm 6.1-14; Ef 2.1-10). 

As dores que Cristo sofreu são produto de uma imposição judicial de Deus sobre o próprio Jesus como representante/substituto dos pecadores eleitos. A pessoa do Redentor sofreu dores segundo a sua humanidade, e não segundo a sua divindade. O castigo de Deus sobre o pecado, que são os castigos físicos e morais, veio sobre o Jesus Cristo homem, isto é, sobre o corpo e a alma humana de Jesus. As dores que a pessoa de Jesus sofreu na sua humanidade, ou seja, em sua natureza humana, tiveram o suporte da sua natureza divina, porque ambas as naturezas [humana e divina] estavam inseparavelmente unidas por conta da unio personalis (união hipostática).  

3.2 JESUS SENTIA ANGÚSTIAS
     
Lucas 12.50 – Tenho, porém, um batismo com o qual hei de ser batizado; e quanto me angustio até que o mesmo se realize.   

O batismo no qual Jesus menciona é o ápice do sofrimento que ele estava para enfrentar, onde o peso da ira divina sobre o pecado e o pecador cairia sobre ele. É importante elencar que não podemos fazer uma dicotomia obtusa entre “pecado e pecador”, pois ambos estão intimamente conectados. 

Como não existe pecado se alguém não vir a cometer o que foi determinado por Deus como pecado, também não há pecador se o mesmo não cometer o que é pecado. Por isso Deus executou a sua justiça punindo os pecados dos pecadores eleitos na pessoa de Jesus. Sendo assim, Deus não somente odeia o pecado, mas, ao mesmo tempo, odeia e também ama o pecador, especialmente os que estão para serem salvos (veja Sl 5.5-6; Pv 3.32; 1Jo 2.15; Tg 4.4).    

Por pecador, não estou dizendo que Jesus pecou, mas por ter sido o representante legal e substituto dos eleitos perante Deus, os pecados deles foram atribuídos (transferidos) a Jesus para que a justiça de Deus punisse os pecados nele e fosse satisfeita, juntamente com a sua santidade, que fora ofendida pelos pecados dos homens.  

A forte expectativa das coisas que estavam para acontecer na vida de Cristo, como o derramar do cálice da ira divina, gerou nele uma angústia premente. A expectativa para que algo aconteça logo gera angústia na alma (veja Pv 13.12). Aguardando pelo sofrimento que iria passar, Jesus queria que tudo terminasse logo. Enquanto não chegava o momento final da consumação da obra redentora, “como parte da imposição da ira preparatória, Jesus já sofria de terrível angústia”.4 A angústia veio sobre Jesus pelo fato de ele ter assumido a natureza humana afetada pelo pecado; a consequência disso era experimentar esse sentimento por estar no lugar dos pecadores eleitos, esperando receber sobre si a manifestação poderosa da ira divina. Vejamos outra cena que descreve Jesus sentindo angústia:

João 13.21 – Ditas estas coisas, angustiou-se Jesus em espírito e afirmou: Em verdade, em verdade vos digo que um de vós me trairá.

A expressão angustiar-se em espírito refere-se à angústia do espírito humano de Jesus. A divindade não possui esse sentimento que é próprio de seres finitos e pecadores. Entretanto, Jesus, como não tinha somente uma natureza divina, mas também uma natureza humana, sentiu angústia por ser tratado como pecador, embora fosse perfeito e santo.      

Em contrapartida, o motivo de Jesus ter se angustiado, conforme é dito no texto, é doravante a traição de Judas. Jesus sabia antecipadamente da traição pela sua onisciência; contudo, ele esperava que a profecia do Antigo Testamento concernente à traição se cumprisse logo (Sl 41.9; Jo 13.18). A expectativa pelo desencadear dos eventos finais de sua vida deixou Jesus extremamente angustiado.  
  
3.3 JESUS SENTIA PAVOR

Marcos 14.33 – E levando consigo a Pedro, Tiago e João, começou a sentir-se tomado de pavor e de angústia.

Na noite anterior à crucificação, antes de ser entregue nas mãos dos líderes religiosos para ser preso, humilhado, julgado e espancado, Jesus e os seus discípulos vão até um lugar chamado Getsêmani, um jardim situado no sopé do monte das Oliveiras para orar (Mc 14.32). Enquanto os outros discípulos ficaram mais distantes em algum lugar do jardim, Jesus começa a sentir um enorme pavor e decide levar para ficar mais perto de si Pedro, Tiago e João, exortando-os a vigiar, enquanto ele orava; porém, tomados pelo sono, esses três homens não vigiaram e dormiram de tristeza (veja Mc 14.37-41).

O pavor é uma sensação provocada pelo medo intenso de algo que pode ou não acontecer. Pavor é medo exagerado. No caso de Jesus, o pavor sobreveio em sua alma devido ao cálice amargo da ira de Deus que ele haveria de beber ou experimentar. Foi neste mesmo incidente no Getsêmani que Jesus orava, dizendo: Aba, Pai, tudo te é possível; passa de mim este cálice; contudo, não seja o que eu quero, e, sim, o que tu queres (Mc 14.35-36). Jesus sentiu um pavor terrível, pois estava prestes a cair nas mãos de Deus. O autor da carta aos Hebreus afirma: Terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo! (Hb 10.31). (NVI) E, literalmente, Jesus caiu nas mãos de Deus! Jesus foi castigado por Deus! Jesus foi abandonado por Deus! Jesus experimentou o inferno na cruz!

Heber Carlos de Campos acentua:

Experimentar o inferno é experimentar o doloroso abandono da presença confortadora de Deus. Foi exatamente isso que Cristo experimentou. A ira de Deus desceu sobre o filho encarnado e se manifestou não somente nas dores infernais do seu corpo, mas também nas angústias infernais que se apoderaram de sua alma. Portanto, Jesus nunca desceu ao Hades literal e espacialmente, mas experimentou intensivamente todas as coisas que o Hades representa, descritas acima.5   

Deus julgou e condenou os pecados dos eleitos julgando e condenando o representante e substituto deles, Jesus. Os réprobos, quando estiverem perante Deus, no dia do julgamento final por causa de seus pecados, ficarão extremamente apavorados. Será um pavor indescritível quando eles forem lançados no lago de fogo, onde sofrerão dores infernais eternamente!   

Embora o pavor seja um sentimento próprio de pecadores sob a maldição do pecado, Jesus, que não teve pecado, sentiu pavor, uma vez que “foi tratado como se fosse pecador”. Paulo diz que aquele que não conheceu pecado, (Jesus) o fez pecado por nós (2Co 5.21). Destarte, como nosso Redentor divino-humano, Cristo foi tomado de pavor, visto que iria receber o castigo que nos trouxe a paz com Deus (Is 55.5).

3.4 JESUS SENTIA TRISTEZA

João 11.33-35 – Jesus, vendo-a (Maria) chorar, e bem assim os judeus que a acompanharam, agitou-se no espírito e comoveu-se. E perguntou: Onde o sepultastes? Eles lhe responderam: Senhor, vem, e vê. Jesus chorou.  

Este é, certamente, um dos textos que descreve com mais nitidez a tristeza de Jesus. Maria, Marta e Lázaro eram irmãos e moravam numa aldeia chamada Betânia. Jesus era amigo íntimo dessa família, e sempre que podia estava junto com eles em comunhão (Jo 12.1-2, 9). Jesus amava profundamente Marta, Maria e Lázaro (Jo 11.5). Assim sendo, vejamos, então, os três fatores que levaram Jesus a chorar de tristeza.

1. Contemplação do sofrimento

Sabendo da morte de Lázaro, Jesus vai até a aldeia em Betânia. Chegando lá, ele e os seus discípulos deparam-se não somente com a tristeza e o choro copioso de Maria [aquela que gostava de sentar aos pés de Jesus para aprender as Escrituras (Lc 10.39) e que havia ungido os seus pés com o unguento e enxugado com os cabelos (Jo 12.3)], mas também de outras pessoas que eram amigos de Lázaro. Contemplando o sofrimento pela perda de Lázaro, Jesus comove-se e pergunta onde ele havia sido enterrado. Quando mostraram o túmulo a Jesus, ele chorou.  

2. Agitação no espírito

A expressão agitou-se enfatiza um sentimento de ira e de indignação que não é produto de revolta contra o que Deus fez, mas de dor interior profunda que provoca uma reação violenta na alma. É uma agitação em virtude de uma profunda dor.6 Jesus contemplou a dor de Maria, Marta e dos amigos de Lázaro pela sua morte. Foi o amor que Jesus sentia pela família de Lázaro que fez brotar o sentimento de dor que culminou naquela agitação de espírito. 

A expressão no espírito refere-se ao espírito humano de Jesus. Essa mesma expressão pode ser vista em Atos 17.16, onde é descrito que Paulo se revoltava em seu espírito por causa da idolatria que reinava em Atenas. Essa expressão aponta para a dor que Jesus sentiu no seu espírito humano pela morte de Lázaro.

3. Comoção

Jesus comoveu-se como resultado da forte agitação do seu espírito devido à morte de Lázaro e ao contemplar a dor de sua família e amigos. Jesus não permaneceu insensível àquela situação. Hendriksen corrobora que a intensidade da emoção era provavelmente visível no olhar de Cristo, no tom da sua voz, e (talvez especialmente) em seu constante suspirar.7 

Heber Carlos de Campos ressalta que, provavelmente, essa comoção inclui o retorcer dos lábios e o enrijecimento do queixo, provocando o que nós constantemente denominamos uma cara de choro, que precede o choro propriamente dito.8 Portanto, vemos de modo claro a humanidade de Jesus em destaque no evento da morte e ressurreição de Lázaro.

João 11.35 – Jesus chorou.

O choro, além de ser uma propriedade que faz parte da essência de seres finitos, é também o resultado do processo que acabamos de sintetizar. Jesus, contemplando o sofrimento das irmãs de Lázaro e de seus amigos, agita-se no espírito, comove-se e, em seguida, chora.

As lágrimas de Jesus demonstraram sua dor em face daquela situação e a ternura de um amigo que sente compaixão pelo sofrimento dos homens no estado de queda, no qual o capítulo 11 também ressalta.

Por outro lado, Deus, como um ser espiritual e absolutamente santo, não chora, uma vez que, “para haver choro é necessário haver um corpo com as devidas partes físicas de expressão de tristeza”.9 Entretanto, é dito no texto que Jesus chorou.

Conforme vimos, o choro é uma característica exclusiva de seres finitos, no caso em voga, de homens no estado de queda. Deus não pode chorar, contudo, Ele pode se entristecer (Ef 4.30). A tristeza de Deus é diferente; não é uma tristeza com a mesma conotação ou motivo com que os homens se entristecem, pois a tristeza é uma fraqueza consequente do pecado. Jesus sentiu tristeza e chorou porque assumiu a natureza humana afetada pelo pecado na encarnação, juntamente com suas limitações e fraquezas. Apesar do choro pertencer unicamente à natureza humana, todavia ele é atribuído ao Redentor por causa da comunicação de atributos. Mesmo que seja a natureza humana de Jesus quem chorou, não podemos dividir as duas naturezas como se houvesse duas pessoas nele, mas devido a unio personalis (união hipostática), a pessoa de Jesus, unida por essas duas naturezas, foi quem chorou.  



A Humanidade do Redentor (1/2)




NOTAS:

1. J. Ridderbos. Isaías. Introdução e comentário. Série Cultura Cristã (Vida nova), pág 427.
2. Heber Carlos de Campos. A Humilhação do Redentor – Encarnação e Sofrimento, pág 227-228.
3. Heber Carlos de Campos. As Duas Naturezas do Redentor, pág 499.
4. Ibid, pág 501.
5. Heber Carlos de Campos. Fides Reformata 4/1 (1999). Uma analíse da expressão “Desceu ao Hades” no cristianismo histórico.
6. Heber Carlos de Campos. As Duas Naturezas do Redentor, pág 504.
7. William Hendriksen. João, pág 516.
8. Heber Carlos de Campos. As Duas Naturezas do Redentor, pág 505.
9. Heber Carlos de Campos. A União das Naturezas do Redentor, pág 328.



Autor: Leonardo Dâmaso
Divulgação: Reformados 21