19 de julho de 2016

A Batalha Final


Texto base: Ap 20.1-10 


O capítulo 20 de Apocalipse é um dos mais complexos e “polêmicos” de todo o livro. Não há unanimidade entre os estudiosos acerca da sua real interpretação. As três principais linhas de interpretação para o milênio descrito neste capítulo são o Amilenismo, o Pós-Milenismo e o Pré-Milenismo, que é dividido em duas linhas distintas de interpretação – o Historicista e o Dispensacionalista. Essas três linhas de interpretação serão vistas posteriormente. Nossa posição escatológica neste excerto é baseada no Amilenismo.


INTRODUÇÃO

Apocalipse 20 apresenta o cenário da presente era em que a igreja está inserida. Vemos os propósitos de Deus sendo executados na terra, os seus escolhidos no céu, o vívido relato do juízo final e a consumação.

Não obstante, o capítulo 19 mostra o final da história com a batalha final entre Cristo, Satanás [o anticristo e o falso profeta], seus asseclas e o dia do julgamento final (vs.19-21). O capítulo 20, por sua vez, não segue a ordem dos fatos, mas retorna ao princípio da atual “dispensação” em que estamos. 


William Hendriksen observa:

Apocalipse 19.19 levou-nos ao final da história, ao dia do juízo final. Com Apocalipse 20, nós voltamos ao início de nossa dispensação. A conexão entre os capítulos 19 e 20 é semelhante a que existe entre os capítulos 11 e 12. Apocalipse 11.18 anuncia o tempo dos mortos, para que sejam julgados. O fim é chegado. Todavia, no capítulo 12, nós voltamos ao início do período do Novo Testamento, pois Apocalipse 12.5 descreve o nascimento, a ascensão e a coroação de nosso Senhor. Desse modo, no capítulo 20 começamos de novo. Uma vez que essa ordem de eventos ou programa da história é vista, Apocalipse 20 não é difícil de ser entendido. 

Existem quatro cenas distintas neste capítulo, mas que estão intimamente relacionadas. A primeira e a segunda cena ocorrem atualmente, com o reinado dos salvos no céu com Cristo (20.4-6), a prisão e a libertação de Satanás (vs.7). A terceira e a quarta cena seguem com a libertação de satanás, o seu fim e o julgamento final (vs.8-10). Com isso, entendemos que uma das visões que João teve em Apocalipse 20 se refere a episódios terrenos, e que a outra visão retrata a circunstância em que os crentes que já morreram se encontram. 

Embora o capítulo 20 possa ser dividido em 4 seções, neste excerto iremos analisar somente três seções.

A primeira seção aduz a prisão de Satanás por mil anos (vs.1-3); a segunda seção exibe o reinado dos salvos no céu e a primeira ressurreição (vs.4-6); e a terceira seção desvela o fim de Satanás (vs.7-10).



EXPLANAÇÃO

1. A prisão de Satanás (20.1-3)

1.1. Os aspectos desta prisão (vs.1-3)

João tem uma visão. O apóstolo vê um anjo descendo do céu que tinha em sua mão a chave do abismo e uma grande corrente. O abismo, segundo os capítulos (9.1, 11; 11.7; 20.1-3), é um poço que tem uma tampa (9.1), que pode ser aberta (9.2), fechada e selada (20.3).  

Em seguida, João vê que o anjo não tinha somente a chave que abre e fecha o abismo, mas também uma corrente. Este fato remonta à primeira vinda de Cristo, que resultou na derrota e queda de Satanás e seus anjos na terra, após o nascimento, obra, morte, ressurreição e ascensão de Jesus (veja 12.7-9). A primeira vinda de Cristo ocasionou o que poderíamos chamar de um presságio da consumação. Temos uma decisiva batalha e a vitória triunfal de Cristo. Assim, entendemos que o reino de Deus já veio, foi inaugurado e, de “certa forma”, Satanás já foi vencido. 

Por conseguinte, o anjo do Senhor dominou, prendeu e lançou o diabo no abismo. Ele fechou e selou o abismo, para que assim Satanás não pudesse mais disseminar o engano pelo mundo por mil anos, que é o tempo de sua cadeia.

Todavia, a prisão de Satanás não deve ser entendida literalmente. O verbo prendeu (ekpátnoev), no grego, significa “exercer poder, tomar em custódia.”2 Este verbo possui várias aplicações em sentido literal ou figurado, dependendo do contexto.3 Aqui em Apocalipse 20, o sentido da prisão de Satanás é figurado. Ele não está preso em um abismo literal. Ambos os termos – “prendeu, fechou e selou” –, denotam restrição, limitação. Isso significa que o diabo tem o seu poder controlado por Deus. A diminuição do poder de Satanás para agir na terra é consequência da obra redentora de Cristo, que veremos mais detidamente a seguir.

1.2. A natureza da prisão de Satanás (vs.3a)

O cárcere do diabo é um evento que ocorreu no passado, na primeira vinda de Cristo. O nascimento, o ministério, a morte de cruz, a glorificação e a ascensão de Cristo delimitou o poder de atuação de Satanás na terra. Seu modus operandi foi refreado. Sua ação foi cerceada. Esta é a sua prisão! 

Em contrapartida, o cárcere de Satanás não demonstra que ele está inerte, fora de cena. Ele ainda opera disseminando o mal na terra, mas dentro do limite estabelecido por Deus. Ele não pode mais enganar e impedir que os escolhidos de todas as nações sejam alcançados e salvos pelo Senhor. O diabo não pode destruir a verdadeira igreja de Cristo (veja Mt 16.18; Ap 12.5-17).

Dissecando o que já alegamos, o Novo Testamento revela dois aspectos cruciais na vitória de Cristo sobre Satanás: a vitória na cruz e a vitória em seu regresso glorioso. Então, Apocalipse 20.1-10 expressa a vitória de Cristo sobre o diabo em suas duas vindas.

Mateus 12.28-29 – Mas se é pelo Espírito de Deus que eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino de Deus. Ou alguém pode entrar na casa do homem forte (Satanás) e levar dali seus bens (pessoas), sem antes amarrá-lo (restringir a sua ação)? Só então poderá roubar a casa dele (libertar pessoas do seu domínio). (NVI)

Lucas 10.17-18 – E os setenta e dois voltaram alegres, dizendo: Senhor, até os demônios se submetem a nós em teu nome. Ele lhes disse: Eu vi Satanás cair do céu (derrota de Satanás) como um raio. (Almeida Século 21)

João 12.31-32 – Chegou a hora de ser julgado este mundo; agora será expulso o príncipe deste mundo (derrota de Satanás) [o verbo empregado aqui é o mesmo de Apocalipse 20.3 – lançar –, com o acréscimo do prefixo fora]. Mas eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim. (NVI)

O termo agora indica que, através da redenção, a expulsão de Satanás acontecerá (veja todo o contexto de João 12.20-33).

Colossenses 2.15 – E, tendo despojado os principados e poderes (Satanás e os seus demônios), os expôs em público e na mesma cruz triunfou sobre eles. (Almeida Século 21)

Simon Kistemaker ratifica:

Por toda a era veterotestamentária, somente a nação de Israel recebeu revelação de Deus (Rm 3.2). Embora nomes de indivíduos não judeus fossem inscritos nos registros divinos e adotados em sua família (Sl 87.4-6), as nações gentílicas estavam destituídas de sua Palavra. Mas tudo isso mudou depois que Cristo ressurgiu, quando instruiu seus seguidores a fazer discípulos de todas as nações (Mt 28.19-20). Desde a ascensão de Jesus, a Satanás se tornou impossível deter o avanço do evangelho da salvação. Ele tem estado preso e destituído de autoridade, enquanto as nações do mundo ao redor do globo têm recebido as alegres boas novas. O filho de Deus tomou posse dessas nações (Sl 2.7-8) e privou Satanás de desencaminhá-las durante esta era evangélica. Cristo está atraindo para Si pessoas de todas as nações, e dentre elas os eleitos de Deus serão salvos e atraídos ao Seu reino.4

Ainda assim, muitos cristãos acreditam que o aprisionamento de Satanás na cruz é incompatível com a presente atividade dele no mundo. Na cruz, Satanás é aprisionado, mas não absolutamente. Apocalipse 20.2-3 não diz que Satanás está preso “definitivamente”, mas sim, “temporariamente”. Em 2 Pedro 2.4 e Judas 6, vemos que os demônios, os asseclas de Satanás, estão ativos na terra, mas agem dentro do limite imposto por Deus, e que o fim deles está decretado. Por outro lado, Satanás está cabalmente impedido de enganar as nações. A era da salvação chegou para nós!

1.3. O tempo da prisão de Satanás (vs.2b-3a)

João declara que o tempo da prisão do diabo será de mil anos. É neste período que Satanás tem sua liberdade para agir no mundo reduzida. Desse modo, chegamos ao ponto mais inextricável de todo o livro do Apocalipse: o milênio. Não há unanimidade entre os estudiosos se os mil anos aqui é literal ou simbólico. Conforme vimos, existem três linhas principais de interpretação acerca do tempo do cárcere de Satanás, isto é, os mil anos. Vejamos, pois:

O Amilenismo foi sistematizado e desenvolvido por Agostinho. Tornou-se a linha de interpretação oficial da igreja no concílio de Éfeso em 431 d.C. Vários reformadores eram amilenistas. Por conseguinte, quem acreditasse em um milênio literal era considerado místico. 

A palavra A-milenismo significa nenhum milênio (literal). Assim como outros estudiosos, acredito que este termo é inadequado, visto que acarreta em equívocos, pois aparenta sugerir que os amilenistas não creem no milênio ou rejeitam os seis primeiros versículos do capítulo 20 de Apocalipse. Pelo contrário, o Amilenismo simplesmente não entende o milênio literalmente, mas simbolicamente, o qual está em processo. Os mil anos da prisão de Satanás é um período indeterminado de tempo que começa a partir da primeira vinda de Cristo e se estende até o seu retorno. Portanto, o melhor termo para esta visão deveria ser milênio inaugurado. 

O Pós-Milenismo, assim como o Amilenismo, concorda que o milênio não é literal, mas simbólico. No entanto, o milênio, segundo os Pós-Milenistas, será um longo período de tempo antes da segunda vinda de Cristo. Nesta fase, o mundo experimentará um grande reavivamento, no qual muitas pessoas serão alcançadas e transformadas pelo evangelho de nosso Senhor. Portanto, o mundo está caminhando paulatinamente para um tempo de paz e harmonia, que culminará no retorno de Cristo. 

O Pré-Milenismo foi a posição escatológica oficial da igreja até o século 4. Os pais da igreja como Justino, Tertuliano, Lactâncio, Papias, Irineu e Hipólito, com exceção de Jerônimo e Orígenes, eram Pré-Milenistas e entendiam que a igreja iria passar pela tribulação. 

O Pré-Milenismo é dividido em duas linhas distintas de interpretação – históricista, que era a posição dos pais da igreja –, e dispensacionalista. Tanto os historicistas como os dispensacionalistas acreditam que o milênio é literal e ocorrerá depois do regresso de Cristo, onde a igreja reinará com Ele. Mas antes disso, afirmam os historicistas, a igreja passará pela grande tribulação. O arrebatamento acontecerá por ocasião do retorno de Cristo. Os dispensacionalistas, porém, asseveram que a igreja não passará pela tribulação porque será arrebatada antes do seu início.

Ao longo dos anos, por conter ensinamentos insólitos que esbarravam na heresia, o dispensacionalismo foi revisado. Atualmente, é dividido em 3 fases: o dispensacionalismo clássico (1830-1952), revisado (1952-presente) e o progressivo (1987-presente). Os historicistas e os dispensacionalistas anuem que a segunda vinda de Cristo precede o milênio, que terá início após a segunda vinda de Cristo.

Via de regra, o Apocalipse é um livro repleto de símbolos [por exemplo, selobesta, taça, meretriz]. Os números são usados simbolicamente em todo o livro. Decerto, no capítulo 20 não é diferente. O abismo, a grande corrente, a prisão, e também o milênio, não são literais, mas símbolos de algo. Os mil anos representam um período de tempo indefinido. O milênio é antes do julgamento final, que acontecerá em sincronia com o retorno de Cristo (veja Mt 25.31-33). Os mil anos da prisão de Satanás começaram na primeira vinda de Jesus. Este cárcere está em processo no momento vigente. 

Mas qual é o significado deste símbolo? É inadmissível ser categórico sobre uma questão extremamente difícil e impugnada. Contudo, a sugestão de Geerhardus Vos é muito pertinente:

O simbolismo dos mil anos consiste no seguinte: contrasta o estado glorioso dos mártires com o breve tempo de tribulação passado na Terra, por um lado, e com a vida eterna da consumação por outro.5

Antony Hoekema corrobora:

Sabemos que o número dez significa plenitude, e visto que mil é dez elevado à terceira potência, podemos pensar que a expressão “mil anos” é uma representação de um período completo, um período muito longo, de duração indeterminada. Podemos chegar à conclusão que este período de mil anos se estende desde a primeira vinda de Cristo até muito pouco tempo antes da segunda vinda.6

Martin Lloyd-Jones acentua que os mil anos é uma figura simbólica com o intuito de indicar a perfeita extensão do tempo, conhecida de Deus, e unicamente de Deus, entre a primeira e a segunda vinda de Cristo. Não são mil anos literais, mas a totalidade do período enquanto Cristo está reinando até que seus inimigos sejam feitos estrado de seus pés e Ele regresse para o juízo final.7

Com efeito, somos obrigados a reconhecer que existem algumas dificuldades com a interpretação de um milênio literal e suas implicações. Elenco pelo menos sete.

1. Não encontramos nos evangelhos e nas cartas a ideia de um milênio terreno após a segunda vinda.

Em seu discurso escatológico em Mateus 24, Jesus não disse nada acerca de um reino milenar com os escolhidos na terra. De igual modo, Paulo e Pedro também não fazem nenhuma alusão a um reino milenar de Cristo na terra. 

2. O milênio literal sugere Cristo reinando fisicamente aqui neste mundo, enquanto existem boas evidências na Escritura de que o seu reino é espiritual.

3. A ideia de um milênio terreno e a posição de “superioridade” dos judeus reintroduz a velha distinção entre judeus e gentios que já foi suprimida (Cl 3.11; Ef 2.14,19).

Apesar de ser uma unidade, composta de judeus e gentios, é errôneo vermos a igreja como uma mera substituição de Israel ou algum tipo de “inovação” dele. De certa forma, a igreja é nova em um sentido histórico-redentor. Acredito que este equilíbrio é o entendimento mais adequado.

4. A ideia do milênio terreno ensina que haverá pelo menos duas ressurreições: uma de crentes antes do milênio, e outra de ímpios depois do milênio.

Essa ideia se obsta ao ensinamento relatado no evangelho de João 5.28-29; 6.39,40, 44,54. 

5. A ideia de um milênio após a segunda vinda se depara com a grande dificuldade de cristãos ainda não glorificados conviverem com o Cristo glorificado (Fp 3.21).

Os pré-milenistas podem argumentar que, apesar de ser estranho pecadores viverem juntos na terra durante o milênio com Cristo, é perfeitamente possível. Jesus viveu com o corpo glorificado após a sua ressurreição durante quarenta dias com pecadores (At 1.3). 

O fato de Cristo ainda permanecer na terra por quarenta dias após ter sido glorificado, aparecendo para muitos irmãos, fazia parte da obra da redenção histórica (Mt 28; At 1.3; 1Co 15.5-8). Essas aparições foram importantes para corroborar sua ressurreição, suas obras, como enviado de Deus e sua divindade. 

Além disso, foi necessário Jesus aparecer também aos seus discípulos, para que a confiança deles fosse novamente estimulada, e mais tarde, com intrepidez, divulgarem o evangelho ao mundo (At 1.6-14). Ele surgiu de repente em uma sala que estava trancada (Jo 20.19), mostrou suas feridas como efeito da crucificação (Lc 24.39) e comeu e bebeu com os discípulos (Lc 24.41-43). É um erro crasso utilizar-se de um fato exclusivamente histórico e sui generis (único) para advogar o pressuposto de que Cristo viverá com pecadores por mil anos na terra após o seu regresso.

6. Como harmonizar a ideia de que as nações que estiverem sob o reinado de Cristo de mil anos irão se rebelar contra ele no final (Ap 20.7-9)?

7. O Novo Testamento ensina que o juízo é universal, e que é concomitante com a segunda vinda. Entretanto, na crença de um milênio terreno, o juízo acontece mil anos depois do retorno de Cristo somente para os incrédulos

1.4. A libertação de satanás (vs.3b)

Depois de completar mil anos, o diabo será libertado de sua prisão, mas por pouco tempo, pois é necessário que isso aconteça. O que significa este pouco tempo em que Satanás será libertado de seu cárcere após o milênio?

William Hendriksen diz que esse pouco tempo retrata o mesmo período da grande tribulação, a apostasia e o reinado do anticristo. Esse é o tempo que antecede à segunda vinda de Cristo.8 

É no auge da grande tribulação que Satanás será libertado de seu cárcere. A barreira que o impede de exercer todo o seu poder será removida por Deus. Assim ele terá plena liberdade para agir na terra. Juntamente com os seus asseclas ­– anticristo e falso profeta –, irão perseguir implacavelmente a igreja, matando todos quantos lhes forem permitidos. Satanás pode até matar a igreja, mas não pode destruir a igreja!

2. O reinado dos salvos no céu e a primeira ressurreição (20.4-6)

Na primeira seção, tratamos do milênio na terra, que começou a partir da primeira vinda de Cristo e que está ocorrendo na atualidade (vs.1-3). Agora, veremos o milênio na esfera celeste (vs.4-6). Enquanto Cristo está reinando na presente era, os salvos também estão reinando com ele no céu. O reinado do Senhor, com a prisão de Satanás, e o reinado dos salvos, está conectado nesta segunda seção.     

2.1. A natureza deste reinado (vs.4)

João diz que viu tronos em que se assentaram aqueles a quem havia sido dada autoridade para julgar. O apóstolo também viu as almas dos que foram decapitados (mortos) por causa do testemunho de Jesus e da palavra de Deus. Adiante, ele enfatiza que os mártires não tinham adorado a besta nem a sua imagem, e não tinham recebido a sua marca na testa nem nas mãos. Eles ressuscitaram e reinaram com Cristo durante mil anos. (NVI)  

A palavra tronos aparece 67 vezes no Novo Testamento e 47 vezes no Apocalipse. Apenas três vezes o trono está na terra e sempre se fala do trono de Satanás e do anticristo (2.13; 13.2; 16.10). Sempre que a palavra aparece em Apocalipse, esse trono está no céu. Ou seja – o trono de Cristo e da igreja em Apocalipse está sempre no céu (1.4; 3.21; 4.2). Em contrapartida, quem são as pessoas que se assentaram nestes tronos para julgar e qual a natureza deste julgamento? 

As almas que João viu são os crentes já falecidos que agora estão no estado intermediário. As pessoas que se assentaram nos tronos e receberam autoridade para julgar são os crentes de todas as eras, os quais morreram de modo natural ou foram perseguidos e morreram martirizados pela fidelidade a Cristo. Agora eles estão reinando no céu (veja o paralelo em 6.9). Após a segunda vinda, os corpos e as almas dos crentes serão unidas pela glorificação. Depois disso, eles continuarão a reinar com o Senhor eternamente, na terra restaurada e na nova Jerusalém (22.5).

Destarte, a missão dos salvos consiste em

i. JULGAR AS DOZE TRIBOS DE ISRAEL

Mateus 19.28 – Jesus lhes disse (aos discípulos ou apóstolos): Digo-lhes a verdade: Por ocasião da regeneração de todas as coisas, quando o Filho do homem se assentar em seu trono glorioso, vocês que me seguiram também se assentarão em doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel. (NVI)

ii. JULGAR O MUNDO

1 Coríntios 6.2 – Vocês não sabem que os santos hão de julgar o mundo? Se vocês hão de julgar o mundo, acaso não são capazes de julgar as coisas de menor importância? (NVI) 

iii. JULGAR OS ANJOS CAÍDOS OU DEMÔNIOS

1 Coríntios 6.3 – Vocês não sabem que haveremos (os santos) de julgar os anjos? (NVI)
 
João conclui o texto relatando que os salvos ressuscitaram e reinaram com Cristo durante mil anos, que representa um período indefinido de tempo em que ele reina na terra e no céu. Afinal, onde Jesus está?

Simon Kistemaker afirma que Cristo está no céu, onde se acha sentado no trono e governa; toda a autoridade para governar, no céu e na terra, lhe foi dada (Mt 28.18). E os santos redimidos do pecado e da morte estão sentados em tronos celestiais e desfrutam do privilégio de governar como reis com Cristo no céu.10

2.2. O significado da primeira ressurreição (vs.5b-6)

Apocalipse é um livro saturado de contrastes. Vemos o contraste entre o bem e o mal, entre o santo e o profano, entre a vida e a morte. Desta vez, vemos mais um contraste: entre os salvos que estão reinando com Cristo no céu, usufruindo da vida eterna, com o restante dos homens que morreram sem Cristo.

Note que a ênfase de João está nos salvos (vs.4, 6). O restante dos mortos não voltou a viver até que se completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição. (NVI)

Os mortos destacados por João aqui são os ímpios de todas as eras. Estes homens não tornarão a viver até que o período indeterminado do milênio termine. Não haverá ressurreição para estes homens que morreram no estado de incredulidade após o fim do milênio. Reviver  indica a “ressurreição física”.

O que é a primeira ressurreição?

Contudo, a primeira ressurreição é uma ressurreição espiritual em linha com a segunda morte, que é espiritual.11 Aqueles que nascem somente uma vez, pelo nascimento físico (os incrédulos), morrem duas vezes, uma física e outra eternamente. Os que nascem duas vezes morrem somente uma vez, pela morte física. Estes últimos são os crentes.12 

A primeira ressurreição descreve o homem como uma nova criação de Deus. É o novo Nascimento. É a regeneração espiritual. Todos quantos nasceram do Espírito ressuscitaram com Cristo (Ef 2.6-7; Jo 5.24; 11.25; Rm 6.11; Cl 3.1-3).

Visto que João omitiu a segunda ressurreição neste trecho, é inequívoco, pelo contexto imediato e por textos paralelos como Daniel 12.2 e João 5.28-29, que ela é espiritual, pois a segunda morte é a morte espiritual. Apesar do ímpio não passar pela ressurreição espiritual, assim como os crentes que morreram antes da segunda vinda, ele ressuscitará fisicamente no dia do julgamento, não para a vida, mas para a condenação eterna.

O contraste delineado por João é notável:

1. A primeira morte física dos crentes sublinha a ressurreição espiritual, a vida eterna.
2. A primeira morte física dos ímpios é a separação de Deus.
3. A primeira morte física dos crentes marca a entrada deles no estado intermediário (céu) e impossibilita-os de morrerem uma segunda vez; essa é a morte espiritual.
4. A segunda ressurreição física dos ímpios para a condenação realça a morte espiritual deles.
5. A segunda morte espiritual dos ímpios é a separação eterna de Deus. 

O ímpio será lançado vivo [com um corpo físico] no “lago de fogo” [simbolicamente, um lugar de condenação]. Sendo assim, entendemos que o ímpio morre tanto fisicamente como já é morto e ainda morrerá espiritualmente, que é a segunda morte. Ele não ressuscitará “fisicamente” para a glorificação, mas para a condenação. A glorificação do corpo é restrita apenas aos crentes, pois somente eles têm a vida eterna em Cristo Jesus.

3. O fim de Satanás (20.7-10)

3.1. A libertação de Satanás (vs.7)

Após completar o tempo da prisão do diabo, os mil anos, ele será libertado. Será no tempo da grande tribulação em que o diabo terá liberdade plena concedida por Deus para agir na terra. Ele disseminará com veemência o engano e executará os seus planos malignos finais contra a igreja. Sabendo que tem pouco para agir antes de ser lançado no lago de fogo, Satanás, juntamente com os seus asseclas – anticristo e falso profeta – irá perseguir, oprimir e matar todos os crentes que puder (vs.10).

João aqui exibe a mesma cena de 19.19-21, porém de outra forma. O apóstolo desvela o final da besta e do falso profeta, os quais batalharam com Cristo e foram permanentemente derrotados. Foram lançados no lago de fogo e enxofre. Na cena atual, entretanto, temos o detalhe da inclusão de Satanás na mesma batalha, que tem o mesmo destino de seus asseclas. 

3.2. A última batalha (vs.8)

Perto do fim da era milenar, sinalizado pelo regresso de Cristo, Satanás, libertado de suas algemas, irá enganar as nações de todo o mundo – Gogue e Magogue  pois seu objetivo é reuni-las para a grande batalha contra a igreja. Gogue Magogue são termos extraídos de Ezequiel 38, 39, que enfatizam um poderoso exército que saiu do Norte para invadir Israel. João aqui interpreta Gogue e Magogue como símbolos de todas as nações reunidas em oposição a Cristo e a seus seguidores.13

Satanás irá enganar e reunir para esta batalha os exércitos do mundo inteiro. Satanás será o general e irá controlar o seu numeroso exército maligno no ataque contra a igreja. “Todo o mundo iníquo vai perseguir a igreja. A perseguição será mundial. É o ultimo ataque do dragão contra a igreja”.14

A expressão como a areia do mar significa muitas pessoas. O número dos que se juntarão para este evento final será incontável. Via de regra, esta batalha mencionada aqui é a mesma batalha descrita em 19.19-21, porém com alguns detalhes adicionais numa outra cena.

A batalha final é chamada de Armagedom, que também não deve ser entendido literalmente, como um lugar específico, mas como símbolo do livramento de Deus para o seu povo, em meio às prementes batalhas contra os seus inimigos. O Armagedom é mencionado em outras duas cenas. Primeiro, no derramar das sete taças da ira de Deus (16.16-21); segundo, na queda da Babilônia (19.19-21). Contudo, essas não são três batalhas distintas. Nos três episódios anteriores temos a mesma batalha.

Embora o Armagedom seja relatado em diferentes cenas, todavia, é num mesmo evento que os inimigos de Deus [satanás, anticristo, falso profeta, ímpios e a morte] são derrotados. As sete taças da ira de Deus que foram derramadas, a queda da Babilônia e o julgamento final acontecem simultaneamente.

3.3. A derrota de Satanás (vs.9)

Depois de reunir o seu numeroso exército contra a igreja, Satanás cerca o acampamento dos santos, que é a cidade querida. O acampamento e a cidade não são lugares literais; representam os santos que enfrentam oposição dos inimigos espirituais diariamente sobre a terra.

Simon Kistemaker ressalta que acampamento é um termo militar, como o acampamento dos israelitas no deserto (Nm 5.1-4; Dt 23.14). Aqui, porém, acampamento dos santos inclui os cristãos verdadeiros dentre todos os povos, nações, línguas e raças. A referência é à Igreja, que enfrenta a inimizade espiritual do exército de Satanás.15 Nessa passagem de Apocalipse, o papel dos santos não é tomar a batalha nas próprias mãos, mas acampar diante do Senhor e confiar nele.16 A cidade querida também se refere à igreja, aos crentes em que o Espírito Santo habita. Jesus chama os vencedores no capítulo 3.12 de a cidade do meu Deus .

Após o exército de Satanás cercar a igreja por todos os lados, quando parecia não haver mais saída, a não ser esperar pela morte, Deus intervém na situação poderosamente, fazendo descer fogo do céu, que dizimou todos os seus inimigos e livrou o seu povo.

Como em Apocalipse 19.17-21, o inimigo vem para guerrear, porém, aqui não há batalha. Essa “descida” do fogo é a resposta divina à “ascensão” da atividade satânica no início desse versículo. Em 13.13, o falso profeta imitou o milagre de Elias e fez “descer fogo do céu para a terra”, mas isso era apenas uma exibição pública. Aqui, Deus envia fogo do céu e, como em 2Reis 1.10,12, ele consome os soldados enviados para se oporem à vontade divina. A presente passagem também estabelece um paralelo com o fogo que é enviado sobre as forças militares de Gogue e Magogue (Ez 38.22; 39.6). Em Apocalipse 11.5, as duas testemunhas cuspiam “fogo de sua boca”, devorando qualquer pessoa que tentasse feri-las. Este é o passo final, além daquele no qual todos os inimigos de Deus serão devorados pelo fogo.17


CONCLUSÃO

3.4. O destino final de satanás (vs.10)

Após serem derrotados mais uma vez (como em 12.4-6, 9, 13-17), Satanás, o anticristo, o falso profeta e os ímpios serão lançados no lago de fogo, que simboliza um lugar de punição e condenação em que haverá dor e sofrimento (17.16; 19.20). O trio maligno e os demais ímpios serão castigados por Deus, sendo atormentados incessantemente e eternamente. O lago de fogo é um lugar de infortúnio premente tanto para o corpo quanto para alma (14.10-11; Mt 13.40-42; 25.41; Mc 9.43-48; Lc 3.17; 12.47-48).     




NOTAS:

1. William Hendriksen. Mais que Vencedores, pág 215-216.
2. Fritz Rienecker e Cleon Rogers. Chave Linguística do Novo Testamento Grego, pág 636.
3. James Strong. Dicionário do Novo Testamento Grego, pág 2137.    
4. Simon Kistemaker. Apocalipse, pág 673.
5. Eschatology, The international standard Bible encyclopedia, pág 987.
6. Martin Lloyd Jones. A igreja e as Ultimas coisas, pág 273.
7. Antony Hoekema. A Bíblia e o Futuro, pág 257.
8. William Hendriksen. Op. Cit. 1988, pág 137.  
9. Antony Hoekema. A Bíblia e o Futuro, pág 257.
10. Simon Kistemaker. Apocalipse, pág 678.
11. Simon Kistemaker. Apocalipse, pág 679.       
12. Loraine Boettner. La Inmortalidad, pág 26.
13. Grant R. Osborne. Comentário Exegético de Apocalipse, pág 796.
14. Hernandes Dias Lopes. Apocalipse, pág 352.
15. Simon Kistemaker. Apocalipse, pág 683.
16. Grant R. Osborne. Comentário Exegético de Apocalipse, pág 798.
17. Ibid, pág 799.



Autor: Leonardo Dâmaso
Divulgação: Reformados 21